playlistinha - momentos

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19 de março de 2007

quase [mário de sá-carneiro]

Um pouco mais de sol eu era brasa.
Um pouco mais de azul
eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d'espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho
ó dor!
quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim
quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
Ai a dor de ser-quase, dor sem fim...

Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol
vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...


Um pouco mais de sol
e fora brasa,
Um pouco mais de azul
e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

(Paris, 13 de maio de 1913)



Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.


(Lisboa, fevereiro de 1914)

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